"como crianças" - Poema

Temos brincado com fogo
Correndo riscos inúteis por vaidade
Temos invertido valores
Porque inventamos brinquedos estrambóticos e caros
Porque queremos chegar sempre na frente
Porque nos sentimos tão bonitos que não seduzimos ninguém

Temos lançado a faca para o alto
E torcido para que ela caia com o cabo para baixo
Temos saído sem dizer aonde vamos
Porque não queremos ninguém conosco
Não queremos companhia
Somos o próprio compartilhar da solidão

Temos andado tristes
Drogrados, estressados, zumbis
Em cidades que são lugares ruins de viver
Violentas, poluídas, desonestas
E preferimos insistir nessa mentira
E é por isso que parece vôo este transe
Porque as pernas de tão curtas já não tocam o chão

Temos sido inconseqüentes
Fracos, mimados, mal-educados
Como crianças
Mas a beleza e a ingenuidade
Escondemos por querermos passar por adultos
Para assistir ao filme de sacanagem

Temos sido burros
Destruído o planeta
Matado uns aos outros
E sumindo na noite
Acreditamos que estamos nos divertindo
Mas estamos somente embriagados.

Temos estado deprimidos
Porque no fundo sabemos – todos nós, sem exceção
Avós, pais e filhos
Que não é assim que as coisas deveriam ser
Mas, parece que estamos tão perto do fim
Que não vale a pena voltar
Ou será que estamos somente curiosos ?

Temos acreditado em Deus
E rezado nas noites escuras
E pedido perdão
Apesar de sabermos que inventamos esse Deus
Exatamente com esse fim
Para não sentir culpa
Para ir para o céu
Para dormir de noite
Para que ele seja o justo que não somos
Mas sabemos que ele é parcial
Porque deve à nossa fé a sua existência

Temos um terabyte
Tv, satélite, internet
Mas temos tão pouco para contar
Pois vivemos tão pouco
Temos tanta informação
Tanta verdade, tantos acadêmicos, tanta discussão
Tanta coisa que não cabe em uma vida só
No que ambicionamos outra vida, outro corpo, outra vez

Temos muitas dúvidas
Mas sabemos que estamos indo pelo lado errado
Convenhamos
Sabemos que não é por aí
Mas na covardia de não encontrar saída
Dormimos no labirinto
Contando que a sorte afastará o minotauro de nós

Mas será que vale a pena envelhecer no labirinto?

André Francisco
Julho/2009